Muito antes das mudanças radicais ocorridas em Cuba em 1959, existiam em Havana clubes e agremiações de diferentes etnias, principalmente a negra, a espanhola e a chinesa; todas bem diferenciadas, com seus usos e costumes e manifestações culturais definidas.
Em Havana, existe um bairro chinês, “el barrio chino”, ou "chinatown", com uma predominância quase total de habitantes e cultura orientais, mas hoje os costumes já estão bem mais mesclados, sendo comum você chegar num restaurante chinês, pedir uma pizza e ninguém olhar atravessado...
Destes clubes para negros, os mais importantes e maiores, em número de associados, eram o “Unión Fraternal”, “Las Aquilas”, “Atenas”, “Antillas” e o “Clube Social Boa Vista”, fundado em 1932, no bairro de nome Boa Vista...
A sede era num casarão arborizado, com um grande pátio repleto de plantas, onde também se podia dançar ao ar livre entre as barracas das cervejas “Polar” e “Tropical”. Nas noites de final de semana, a calçada em frente ao clube ficava cheia de gente conversando, bebendo e fumando.
A orquestra ficava dentro da casa, na sala principal repleta de casais vestidos segundo as normas do clube.
É bom que se diga, que mesmo sendo um clube popular, para uma classe média de trabalhadores e operários, existia uma norma de conduta, seguida à risca pelos sócios, que pagavam uma mensalidade para desfrutar do que o clube oferecia. Um dos membros da diretoria tinha a função de circular pelo clube, por fora e por dentro, para se certificar do bom comportamento das pessoas.
Durante o dia, havia um ringue de boxe, para puro entretenimento, cursos de corte e costura e outras prendas domésticas para as moças, mesas para se jogar dominó e baralho.
Mas à noite, tudo se modificava, o traje obrigatório para os homens era o terno completo com gravata e sapatos bicolor. Era permitido o uso da “guayabera”, que era uma espécie de camisa de gala, feita geralmente em algodão, linho ou seda, para ocasiões festivas e formais. Peça do vestuário masculino considerada sofisticada e sempre elegante.
Tinha alguns detalhes especiais, como pregas, nervuras e bordados com linhas de excelente qualidade. A “guayabera” tinha ainda bolsos desenhados especialmente para se carregar fumo picado e os papéis para se preparar elegantemente os cigarros, como mandava a etiqueta da época.
As mulheres tinham de estar impecáveis, bem penteadas, pintadas e vestidas com seus melhores trajes, estampas sedosas, brilhos, turbantes coloridos e flores nos cabelos.
É quase possível sentir o perfume destas noites, cheias de loções, brilhantinas, rum e charutos...
No “Buena Vista” tocavam as orquestras e conjuntos mais simples, mais populares, de acordo com o gosto musical dos seus freqüentadores e por ali passaram ou começaram grandes nomes do mundo musical de Cuba; cantores, homens e mulheres, conjuntos vocais, trios, duplas e todas as formações musicais possíveis.
Aí, em 1995 Juan de Marcos González diretor de uma orquestra chamada “Sierra Maestra” viaja para Londres para promover o disco “Dundunbanza”.
E numa conversa com Nick Gold, diretor da gravadora “World Music”, falou de seu plano de fazer um disco com alguns dos maiores nomes de Cuba, aqueles que fizeram tanto sucesso algumas décadas atrás e que agora estavam esquecidos pela velha geração e totalmente desconhecidos da juventude.
Mas Gonzáles não queria fazer um disco simplesmente juntando velhos cantores e velhos músicos e pronto... não, ele queria reeditar o som genuíno das grandes orquestras dançantes de jazz afrolatinos.
Recriar o “desenho” e a atmosfera de décadas passadas, usando para isto o talento e a moderna tecnologia.
De volta a Havana, rapidamente organiza uma nova orquestra, a “Afro Cuban All Stars”. Entre tanta gente competente de anos atrás, estavam Compay Segundo, Rubén Gonzáles, Ibrahim Ferrer e Orlando Lopez.
Em 1996 gravam três discos, um deles chamado apropriadamente de “Buena Vista Social Club”, que surpreendentemente ganhou um Grammy em 1998.
Neste ponto, começa a nascer uma lenda, pois a curiosidade do mundo musical se voltou para Cuba. Tem início as turnês pela Europa e quando estavam se apresentando na Holanda, o cineasta alemão Wim Wenders, [Paris Texas, Asas do Desejo] documentou a apresentação dos músicos, mescladas com entrevistas e "making of". Sucesso imediato.
Os discos entraram nos Estados Unidos e chegaram às paradas da Billboard. São contratados então para apresentações nos melhores teatros e salões do mundo inteiro.
Viajaram pelos cinco continentes, cantaram em Jerusalém, China, Austrália e Patagônia...
Então, quase que inexplicavelmente, os olhos da cultura musical do mundo se fixam em Havana. Há uma espécie de Renascimento da música de raízes cubanas, misturado com uma curiosidade de fotógrafos, cineastas, roteiristas, musicólogos e jornalistas de diversas partes do mundo, querendo conhecer de perto o lugar de origem desta música.
Como vivem as pessoas, como vivem os músicos, que atmosfera é essa, que inspira esse tipo de trabalho?
E assim, Cuba voltou a ocupar seu lugar no Mapa Mundi musical, onde brilhou tão desenvolta nos anos ’30 até o início dos ’60...
Feliz reunião de artistas e técnicos, o disco “Buena Vista Social Club” teve a direção musical e produção de Ry Cooder, competente guitarrista americano da escola do “blues”, já conhecido do mundo pela sua estranha guitarra e jeito estranho de tocar, além da trilha de “Paris Texas”, cultuada até hoje pelos apreciadores do gênero.
Um dos componentes mais conhecidos e talvez o mais popular deles, seja Compay Segundo, que concedeu no Brasil entrevistas muito simpáticas e bem humoradas, mas que apesar da extrema vitalidade, morreu em 2003, aos 95 anos.
Ibrahim Ferrer, que morreu aos 78 anos em 2005, disse numa entrevista ao jornal espanhol “El País”, que estava muito feliz de finalmente ter realizado aos 70 anos um sonha de juventude, que era o de ver seu nome na capa de um disco...
O competente pianista Rubén Gonzáles, morreu em 2003 aos 84 anos.
Omara Portuondo, única mulher do “Buena Vista” ainda está bem viva e viajando sempre, em plena atividade. Recentemente gravou pela “Biscoito Fino” um cd com Maria Bethânia. Omara já teve um post do Musikal inteirinho dedicado a ela...
Abaixo, reproduzo o texto escrito por Ry Cooder em 1996, no encarte do cd “Buena Vista Social Club”:
“Os músicos e cantores do “son” cubano criaram esta música refinada e dançante, numa atmosfera isolada do mundo atual, hiper-estruturado e barulhento. Num período de cerca de cento e cinqüenta anos, eles desenvolveram um estilo e uma forma de interpretação que funcionam maravilhosamente.
Este álbum foi abençoado pela presença de alguns dos melhores músicos cubanos da atualidade. Sua noção de conjunto e dedicação à música são, em minha experiência, absolutamente únicos. Trabalhar neste projeto foi uma alegria e um grande privilégio.
Esta é uma música que está viva em Cuba, não um resquício que encontramos num museu. Sinto que passei a vida toda me preparando para isto, no entanto, fazer esta gravação não foi o que eu esperava em plenos anos ’90. Música é como uma caça ao tesouro. A gente cava... cava e, às vezes, encontra algo.
Em Cuba, a música flui como um rio. Ela te acolhe e te vira do avesso.
Meus mais profundos agradecimentos a todos que participaram desta gravação”.
Em Havana, existe um bairro chinês, “el barrio chino”, ou "chinatown", com uma predominância quase total de habitantes e cultura orientais, mas hoje os costumes já estão bem mais mesclados, sendo comum você chegar num restaurante chinês, pedir uma pizza e ninguém olhar atravessado...
Destes clubes para negros, os mais importantes e maiores, em número de associados, eram o “Unión Fraternal”, “Las Aquilas”, “Atenas”, “Antillas” e o “Clube Social Boa Vista”, fundado em 1932, no bairro de nome Boa Vista...
A sede era num casarão arborizado, com um grande pátio repleto de plantas, onde também se podia dançar ao ar livre entre as barracas das cervejas “Polar” e “Tropical”. Nas noites de final de semana, a calçada em frente ao clube ficava cheia de gente conversando, bebendo e fumando.
A orquestra ficava dentro da casa, na sala principal repleta de casais vestidos segundo as normas do clube.
É bom que se diga, que mesmo sendo um clube popular, para uma classe média de trabalhadores e operários, existia uma norma de conduta, seguida à risca pelos sócios, que pagavam uma mensalidade para desfrutar do que o clube oferecia. Um dos membros da diretoria tinha a função de circular pelo clube, por fora e por dentro, para se certificar do bom comportamento das pessoas.
Durante o dia, havia um ringue de boxe, para puro entretenimento, cursos de corte e costura e outras prendas domésticas para as moças, mesas para se jogar dominó e baralho.
Mas à noite, tudo se modificava, o traje obrigatório para os homens era o terno completo com gravata e sapatos bicolor. Era permitido o uso da “guayabera”, que era uma espécie de camisa de gala, feita geralmente em algodão, linho ou seda, para ocasiões festivas e formais. Peça do vestuário masculino considerada sofisticada e sempre elegante.
Tinha alguns detalhes especiais, como pregas, nervuras e bordados com linhas de excelente qualidade. A “guayabera” tinha ainda bolsos desenhados especialmente para se carregar fumo picado e os papéis para se preparar elegantemente os cigarros, como mandava a etiqueta da época.
As mulheres tinham de estar impecáveis, bem penteadas, pintadas e vestidas com seus melhores trajes, estampas sedosas, brilhos, turbantes coloridos e flores nos cabelos.
É quase possível sentir o perfume destas noites, cheias de loções, brilhantinas, rum e charutos...
No “Buena Vista” tocavam as orquestras e conjuntos mais simples, mais populares, de acordo com o gosto musical dos seus freqüentadores e por ali passaram ou começaram grandes nomes do mundo musical de Cuba; cantores, homens e mulheres, conjuntos vocais, trios, duplas e todas as formações musicais possíveis.
Aí, em 1995 Juan de Marcos González diretor de uma orquestra chamada “Sierra Maestra” viaja para Londres para promover o disco “Dundunbanza”.
E numa conversa com Nick Gold, diretor da gravadora “World Music”, falou de seu plano de fazer um disco com alguns dos maiores nomes de Cuba, aqueles que fizeram tanto sucesso algumas décadas atrás e que agora estavam esquecidos pela velha geração e totalmente desconhecidos da juventude.
Mas Gonzáles não queria fazer um disco simplesmente juntando velhos cantores e velhos músicos e pronto... não, ele queria reeditar o som genuíno das grandes orquestras dançantes de jazz afrolatinos.
Recriar o “desenho” e a atmosfera de décadas passadas, usando para isto o talento e a moderna tecnologia.
De volta a Havana, rapidamente organiza uma nova orquestra, a “Afro Cuban All Stars”. Entre tanta gente competente de anos atrás, estavam Compay Segundo, Rubén Gonzáles, Ibrahim Ferrer e Orlando Lopez.
Em 1996 gravam três discos, um deles chamado apropriadamente de “Buena Vista Social Club”, que surpreendentemente ganhou um Grammy em 1998.
Neste ponto, começa a nascer uma lenda, pois a curiosidade do mundo musical se voltou para Cuba. Tem início as turnês pela Europa e quando estavam se apresentando na Holanda, o cineasta alemão Wim Wenders, [Paris Texas, Asas do Desejo] documentou a apresentação dos músicos, mescladas com entrevistas e "making of". Sucesso imediato.
Os discos entraram nos Estados Unidos e chegaram às paradas da Billboard. São contratados então para apresentações nos melhores teatros e salões do mundo inteiro.
Viajaram pelos cinco continentes, cantaram em Jerusalém, China, Austrália e Patagônia...
Então, quase que inexplicavelmente, os olhos da cultura musical do mundo se fixam em Havana. Há uma espécie de Renascimento da música de raízes cubanas, misturado com uma curiosidade de fotógrafos, cineastas, roteiristas, musicólogos e jornalistas de diversas partes do mundo, querendo conhecer de perto o lugar de origem desta música.
Como vivem as pessoas, como vivem os músicos, que atmosfera é essa, que inspira esse tipo de trabalho?
E assim, Cuba voltou a ocupar seu lugar no Mapa Mundi musical, onde brilhou tão desenvolta nos anos ’30 até o início dos ’60...
Feliz reunião de artistas e técnicos, o disco “Buena Vista Social Club” teve a direção musical e produção de Ry Cooder, competente guitarrista americano da escola do “blues”, já conhecido do mundo pela sua estranha guitarra e jeito estranho de tocar, além da trilha de “Paris Texas”, cultuada até hoje pelos apreciadores do gênero.
Um dos componentes mais conhecidos e talvez o mais popular deles, seja Compay Segundo, que concedeu no Brasil entrevistas muito simpáticas e bem humoradas, mas que apesar da extrema vitalidade, morreu em 2003, aos 95 anos.
Ibrahim Ferrer, que morreu aos 78 anos em 2005, disse numa entrevista ao jornal espanhol “El País”, que estava muito feliz de finalmente ter realizado aos 70 anos um sonha de juventude, que era o de ver seu nome na capa de um disco...
O competente pianista Rubén Gonzáles, morreu em 2003 aos 84 anos.
Omara Portuondo, única mulher do “Buena Vista” ainda está bem viva e viajando sempre, em plena atividade. Recentemente gravou pela “Biscoito Fino” um cd com Maria Bethânia. Omara já teve um post do Musikal inteirinho dedicado a ela...
Abaixo, reproduzo o texto escrito por Ry Cooder em 1996, no encarte do cd “Buena Vista Social Club”:
“Os músicos e cantores do “son” cubano criaram esta música refinada e dançante, numa atmosfera isolada do mundo atual, hiper-estruturado e barulhento. Num período de cerca de cento e cinqüenta anos, eles desenvolveram um estilo e uma forma de interpretação que funcionam maravilhosamente.
Este álbum foi abençoado pela presença de alguns dos melhores músicos cubanos da atualidade. Sua noção de conjunto e dedicação à música são, em minha experiência, absolutamente únicos. Trabalhar neste projeto foi uma alegria e um grande privilégio.
Esta é uma música que está viva em Cuba, não um resquício que encontramos num museu. Sinto que passei a vida toda me preparando para isto, no entanto, fazer esta gravação não foi o que eu esperava em plenos anos ’90. Música é como uma caça ao tesouro. A gente cava... cava e, às vezes, encontra algo.
Em Cuba, a música flui como um rio. Ela te acolhe e te vira do avesso.
Meus mais profundos agradecimentos a todos que participaram desta gravação”.
Um comentário:
Maravilhoso o show, esta noite no VIVO RIO.
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