As letras de seu mais recente disco, “Maré”, são de poetas brasileiros como Antônio Cícero, irmão e parceiro de Marina Lima, Arnaldo Antunes, ex-Titãs, Waly Salomão, Augusto de Campos e Ferreira Gullar, que diz haver poesia porque a vida não basta.
“Completamente de acordo. Também disse Eliot,[1] que o poeta escreve para livrar-se das emoções. Aí, o problema passa a ser do outro”, comenta a cantora, rindo.
Adriana Cancanhotto gosta de Joan Brossa.[2] “Existem muitos poemas sem poesia, e ele por sua vez, tem muita poesia em coisas que se chamam poemas visuais, só porque precisam ser chamados por um nome. Sua obra é violenta, ao mesmo tempo delicada e cheia de humor”.
Terça-Feira inaugurou em Madri o Festival Únicas; ontem cantou no Tenerife, hoje se apresenta em Girona e amanhã, cantará no “Palau de La Musica” em Barcelona.
“Maré”, co-produzido por Arto Lindsay, obviamente está ligado ao mar. “Me fascina o mar, esse mar da literatura e das canções, o mar como metáfora da condição humana”, explica.
Quando gravou há dez anos atrás “Marítimo”, não pensava em termos de trilogia. “Apenas gravei e ponto. Mas quando me dei conta de que as músicas que eu ia gostando pelo caminho continuavam sendo “marítimas”, decidi assumir a idéia
da trilogia. Porém, não haverá um terceiro, necessariamente”.
Adriana busca a simplicidade. “Minha meta é chegar ao essencial, eliminando os excessos, refinando até ficar somente com o que é essencial. Leva tempo e dá muito trabalho, porém é divertido porque é um processos, e os processos sempre me interessam”.
Na música brasileira está havendo um trânsito livre entre estilos, e já não tem mais movimentos tão definidos como Bossa Nova ou Tropicalismo. “Gosto que seja assim com as etapas de produção e poder fazer o disco com o computador doméstico e as pessoas trabalhando mais isoladas”, disse.
“Alguns anos atrás, recebia material de cantores e compositores, em que se via nitidamente a
s influências alheias... agora, já nem tanto, pois hoje os músicos jovens querem ser eles mesmos, ter uma identidade própria. Creio que essa mudança tão rápida tenha a ver com a Internet. As pessoas agora escutam o que querem”.
Acaba de publicar no Brasil “Saga Lusa”, um livro onde conta as desventuras de uma “bad-trip” medicamentosa. “Estava excursionando em Portugal e no segundo concerto estava me sentindo muito mal e com muita febre”.
“Um médico disse uma coisa, outro médico disse outra, tomei o que me receitaram e o resultado foi que passei cinco noites sem dormir, com alucinações e delírios”.
“Fiquei escrevendo no notebook para sobreviver, e foi o que me salvou... estava com o violão do lado, mas nem cheguei perto dele”.
“Compreendo alguém que nesta situação se desespere e se jogue pela janela, porque não po
demos controlar a mente”.
Com o heterônimo de Adriana Partimpim, gravou em 2004 um disco bem interessante para crianças. Quando pequena, ainda em Porto Alegre, escutava com seus pais Chet Baker, Miles Davis e Piazzolla e ficava horrorizada com as canções infantis.
“Não entendo porque tratam as crianças como se elas fossem idiotas e burras. As crianças são transparentes, dizem o que pensam. Não têm as coisas tão rígidas e estabelecidas”.
“Tudo pode ser. E isso não é pouco”.
[1] Thomas Sterns Eliot [1888=1965] poeta modernista, dramaturgo e crítico literário americano; ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1948.
[2] Joan Brossa [1919=1998] poeta, dramaturgo, artista plástico e artista gráfico catalão, nascido em Barcelona.
@ fonte: “El País”, caderno de cultura, Carlos Galilea, 06/11/2008.
@ foto de Adriana : Bernardo Perez
@ artwork : roberto bezz
