
Tudo o que o mestre mandar e a cabra cega sem enxergar, e você se escondeu, e você esqueceu.
Pique pau, cuspe em distância, pés pisando em ovos, veja você...um tal de pular fogueira, pistolas, morteiros, veja você...
Pega malhação de Judas e quebra cabeças, veja você... e você se escondeu, e você não quis ver.
Olha o bobo na berlinda, olha o pau no gato, polícia e ladrão... tem carniça e palmatória bem no seu portão.
Você vive o faz-de-conta, diz que é de mentira brinca até cair... chicotinho ta queimando, mamãe posso ir ?
Pique pau, cuspe em distância pés pisando em ovos, bruxa, dragão... um tal de pular fogueira e a cabra cega vai de roldão.
Pega malhação de Judas e um passarinho morto no chão... e você conheceu... e você aprendeu !
[Jardins de Infância, João Bosco + Aldir Blanc, 1975]
Hoje estava cantarolando esta música e de repente fui parar algumas décadas atrás, e me vi brincando na calçada com os amiguinhos da rua, naquelas tardes que não acabavam nunca.
Aí comecei a me perguntar de que será que as crianças de hoje brincam, que músicas ou quadrinhas ou cantigas de roda elas cantam, se é que brincam de roda. Acho muito pouco provável que numa cidade grande as crianças joguem “amarelinha”, andem de “perna-de-pau”...
Mais improvável ainda imaginar a meninada parada, estática, brincando de “estátua”, ou de “polícia e ladrão”, “doninha de calçada” e “mamãe eu quero doce”...
Felizmente, com um pouco de sorte, em alguma cidade do interior possamos ainda encontrar algumas crianças nos quintais de casa, reinando absolutas no universo criado por elas, onde cada árvore é um mundo, cada canteiro uma floresta cheia de duendes, fadas e criaturas que só elas conhecem e sabem o nome.
Músicas inventadas na hora de cada narrativa, cada batalha, cada conquista de novo território logo ali, ao lado do mamoeiro, entre a roseira branca e pé de camélia...
É claro que os tempos mudam e eu não sou ingênuo a ponto de esperar que as crianças de hoje brinquem das mesmas coisas que eu brincava, nem que tenham a mesma facilidade de fantasia de algumas décadas passadas.
Hoje está tudo à disposição com um simples toque, quase tudo é “touch screem”, quase tudo nos chega via “download”, desde um simples game, até a possibilidade de viver uma vida paralela; uma outra vida, é claro, uma segunda vida com direito a ter tudo e, suprema maravilha, ser tudo o que se quer... com outra identidade, outro tipo físico e outra conta bancária.
Mas relembrando assim, sinto um pouco de saudade das musiquinhas, das brincadeiras, das disputas de carrinhos de rolimã, de passar voando de patinete pela calçada só para impressionar os amiguinhos menores ou mais tímidos, de quem nós sempre acabávamos virando uma espécie de heróis.
Onde foi parar esse mundo fantástico e sem limites de antes?
“se esta rua, se esta rua fosse minha... eu mandava, eu mandava ladrilhar... com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, para ver, para ver meu bem passar...”
